faces in the street

o adolescente inquieto buscava um ângulo pra tirar uma boa foto, arrumava o cabelo e olhava com suspeita para a companhia indesejada julgando que estava sendo julgado. A companhia julgava aquela inquietação, não negativamente, era apenas bonitinho assistir a inquietação da juventude em querer uma boa foto ao mesmo tempo que não quer ser visto imprimindo algo pra ser visto. O cigarro tragado pela companhia, o fez tirar os olhos do adolescente para acompanhar a fumaça que o guiava à guarita, onde um senhor aos 60 e poucos esbanjava rugas muito morenas do árduo trabalho ao Sol, sem nunca sorrir como o próprio astro-rei. Um distribuidor de sorrisos e conversas, capaz de alegrar todos os que passam por aquela prefeitura, inclusive prefeitos e vereadores rivais, incapazes de manter as desavenças geladas frente ao caloroso sorriso do senhor. O anterior chefe do executivo buscou igualar-se à alegria e à simplicidade do funcionário, conseguiu bons resultados, apesar de suas rugas não serem tão morenas, nem tão simpáticas. O atual nem se esforça, apesar de menos antipático que seu antecessor (e padrinho), prefere ligar-se ao povo tomando uma cachacinha sem fazer careta do que comer pastel na feira com sorrisos bem treinados.

Sorrisos bem treinados percebidos pela comerciante que alega só assistir novelas na televisão e ter abandonado todo o resto da programação por não aguentar mais a cara lavada dos políticos. A dela, ao contrário, só é lavada no sentido da higiene, porque é um poço de simpatia e sorrisos igualmente calorosos ao senhor da guarita, apesar de suas rugas também serem menos morenas (afinal seu árduo trabalho é protegido do sol). Adora prosear e sorri contando os causos, falando da família e lançando sempre um sonoro “maisi” quando quer falar “mas”, um acerto do português que nem os criadores saberiam aproveitar, afinal a função da palavra é negar o que veio antes e ligar ao que vem depois e “maisi” é um jeito perfeito de ligar as orações, ao contrário do seco “mas” que breca pra continuar, parecendo um “Si” desconfortável nas músicas, que pode auxiliar na costura da sonoridade, maisi é péssimo pra finalizar os pontos. A cliente que o diga, com as caretas que faz ao cruzar o ponto e sentir um “Si” e precisando continuar porque o “Si”, tal qual o “Se” pede uma continuação, e se pararmos a história no e se, o que temos é um vasto nada sem as rugas, sejam elas morenas, alegres ou antipáticas. E se não as há, pouco temos a dizer de faces lisas e inexpressivas, além da inquietude da juventude que franze o cenho ao se sentir observado e tem medo dos julgamentos, ao mesmo tempo em que precisa destes para continuar.

E a todos esses personagens observava aquele que a testa nunca franze. O inimigo do povo por o querer tão bem em suas observações mais profundas que um microscópio, pois enxergam a alma e, infelizmente, não pode cuidar de todas elas.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *