E vamos de mais um dia falando um monte de nada e nada sobre tudo
Que tema esquisito, supermercados. O que falar de supermercados? Que muito tempo atrás eu gostava de caminhar até um supermercado que ficava há quase duas horas da minha casa? E que isso me faz lembrar dos rolês talk que frequentemente aconteciam na volta pra casa quando me encontrava com o ip saindo da aula? Ok. Boa lembrança, dá saudades. Não do supermercado, do ip e das caminhadas. Outro supermercado que gostava de visitar na volta de caminhada era onde comprava comida pra dieta. Acredito que caminhava mais pelo supermercado que pela caminhada. Resumindo, estes estabelecimentos aparentam ser mais um “check point” em caminhadas, algo que faz a caminhada perder o status de caminhada e ganhar o status de passeio. Talvez uma manobra mental pra transformar trabalho em diversão.
Destes passeios conheci bastante a anatomia deles, as prateleiras do álcool sem gelo na extremidade oposta dos legumes, os açougues sempre ao fundo com suas filas enormes, os carrinhos jogados por todos os cantos trancando os corredores como se seus motoristas tivessem comprado a rua. Mas a anatomia que costumo conhecer melhor é a dos depósitos e como são organizados de maneira a deixar todo mundo desconfortável. Não na disposição das mercadorias, nas relações sociais, principalmente entre a trindade: repositor, vendedor, entregador. Três buchas de canhão, óbvio que o vendedor está em uma situação melhor, por raramente ter contato com algum de seus patrões; ainda assim não passa de bucha. O repositor sofre mais com esse contato, porque ele tem o patrão que paga o salário, o patrão que é gerente e acha que é patrão, o patrão que confere mercadoria e acha que é patrão. Já o chapa tem a pior das situações, vivendo na estrada do lado de um motorista que também acha que é patrão, que é catado na estrada antes do amanhecer e deixado no mesmo lugar depois que anoitece; tem pouco contato também com patrão real, mas sente o fisting deste muito mais fundo que qualquer vendedor.
Desviei completamente o assunto, porque acredito que essa relação dos supermercados foi essencial para que eu aprendesse muito mais sobre a vida em si do que muitos ensinamentos. Nasci na mesa de sinuca, frase que costumo dizer pra ilustrar que sou cria de barzeiro e desde muito novo conheci o lugar atrás do balcão. Óbvio que nunca senti o peso de ser um repositor, porque um bar da família é muito mais tranquilo que trabalhar em um supermercado. Porém, conheci as relações com vendedores e entregadores desde cedo. Depois, no carvão, entreguei muitas vezes nos depósitos, nunca fui o chapa catado na estrada antes do amanhecer e descartado muito depois do sol cair; porém minha função era clara, entregar mercadorias. E agora, por último, conheci a representação comercial, a menos penosa das funções e melhor remunerada (e pra mim a mais chata). Essa trindade cheia de tensões entre si, desconfianças e relações construídas por interesse, mesmo que muitas sejam muito verdadeiras, não aconteceriam não fosse o interesse. Olhares tortos muitas vezes, pensamentos negativos a respeito um do outro. Sendo que são três pontas estrategicamente posicionadas para que jamais percebam que existem cordas poderosas orquestrando aquelas diferenças. E para que nunca percebamos que elas podem ser arrebentadas com extrema facilidade.
Supermercados são meus check points, onde transformo caminhada em passeio, trabalho em diversão. E são lugares que, 1) nas prateleiras que nos fazem esquecer que somos produtores ou prestadores de serviço e nos fazem acreditar na magia da nossa pseudo condição de consumidores e 2) nos seus camarins, outros trabalhadores esquecem-se que são trabalhadores e crêem-se protagonistas de uma execução de poder sobre os semelhantes que crêem diferentes. São o ambiente perfeito para criarmos a escada infinita e impossível de se escalar, onde sempre arremessarão merda sobre nós.