a meta original

no final de agosto de 2024, surgiu possibilidade de assumir um segundo emprego. a primeira coisa que fiz foi reassistir meu anime ruim favorito: saving 80000 gold in another world for my retirement. com título autoexplicativo, ele resumia tudo que parecia certo pra mim no momento, economizar 80k pra minha aposentadoria e descobrir o que me causa os tumtum da vida depois e viver o resto do tempo em prol disso. a premissa do anime é exatamente o que o título propõe, um isekai (por mais que eu odeie o gênero) que a protagonista junta riquezas em um outro mundo para se aposentar. o segundo emprego sempre foi isso pra mim, desde o início, um outro mundo. e, como no anime, a protagonista tinha o poder de voltar pro seu mundo quando quisesse, a ideia era que até às 17hrs dos meus dias eu vivesse no outro mundo e me tornasse outra pessoa depois disso. o que não ocorreu. não tive a energia pra manter o mundo que eu queria em pé e o outro mundo não era divertido o suficiente para que eu conseguisse me recarregar. e, sem carga, o que existia de mim quase se perdeu completamente no processo.

o corpo é muito mais sábio do que aparenta e sua sabedoria sabe como ninguém a arte de punir. já no segundo semestre daquele outubro eu não sabia mais o que era começar e terminar uma semana inteiro. não tive nenhum diagnóstico, porque tenho muita preguiça de ir no hospital, mas tive uma suspeita de dengue que durou mais do que deveria, depois meu siso resolveu fazer palhaçadinhas, depois foi o ouvido que não parava de doer e, quando parecia que finalmente estaria tudo curado, minha coluna travou jogando futebol (algo inédito). queria que tivesse parado por aí, não parou. do final de outubro a meados de março eu não experimentei uma semana de segunda a segunda sem ter alguma doença. o sábio corpo sabia o que a razão era incapaz de compreender: se eu abdico meu mundo, de nada adianta me aposentar no outro.

somado a isso, no meio do caminho, sofri uma perda. uma perda desesperadora. porque aquilo não só me fazia sofrer pensando em toda vida que aquela pessoa tinha perdido pela frente, me fazia sofrer também porque era impossível parar de pensar: e se eu morrer antes dos 80000 gold?

eis que, um ano depois, eu recebo o convite que eu logo recuso. e depois aceito, desde que eu esteja afastado dos holofotes; na impossibilidade de afastamento, recuso de novo. só que, meu roteirista me ama (como a kary jogou na minha cara esses dias pra trás) e, uma terceira vez o universo insiste e eu aceito, com ressalvas ainda, mas aceito. o roteirista não se satisfaz e joga no lixo as minhas ressalvas e me obriga a aceitar de corpo e alma. é até injusto o quanto eu luto contra meu próprio sucesso e as forças alinhadas de sei lá qual crença ou “coachismo quântico” me proíbem a sabotagem. é até injusto. aceito o convite, começa o motivo deste texto: a meta original.

a meta original quando aceitei o segundo trampo era poder ser outra(s) pessoa(s) além daquele que busca ansiosamente a aposentadoria em outro mundo. e é, essa semana, eu fui. em dois dias eu fui muita coisa. eu fui eddie (um defunto pelo qual choramos), fui charlie (um defunto pelo qual sorrimos), fui scott, fui parte de um projeto incrível, fui demi lovato em camp rock (sonho de princesa, tá?), fui a pessoa que canta em um palco (assustador), fui o sísifo feliz com meu carvão, fui apaixonado (com um pedaço de papel higiênico colado no pescoço, enquanto jogo league of legends e fico puto porque não me deram quatro honras depois de eu ter carregado o jogo com a minha lulu full support no aram (melhor lulu do mundo, se pá da minha rua, tá ok?)), fui um bom amigo em várias camadas e estilos de suporte, fui quem acompanha o clã até em casa (o que eu nunca deveria ter deixado de ser), fui quem se permite sonhar e quem se repreende por ver sinais onde não tem, fui quem gargalha e chora dirigindo sozinho pensando em tudo, fui parte de um todo e o todo de uma parte, fui até mesmo aquele representante comercial que almeja economizar 80000 gold in another world for my retirement. em resumo, fui odradek: o não-ser improdutivo que, não-sendo, é tanto que, não só incomoda, tribula, causa dor física no status quo; que produz na sua improdutividade a arma fatal à tradição e aos bons costumes. fui tantas coisas que kafka voltou pra mim como um bumerangue.

mas esta meta original está afastada da real meta original em alguns anos. quando comecei a fazer metas que eu realmente levava a sério, uma era sempre a mais importante de todas; nascida em 2017, repetida em todos os anos até 2021, quando tudo começou a dar uma leve desandada. nunca cumprida, ela volta a estar presente e ano que vem, se deus quiser acontece finalmente.

faço esse longo discurso pra retomar o passado, porque a euforia dos passados dois dias me encheram do gás necessário pra acreditar que dessa vez é possível fazer o meu tão sonhado e completo cosplay de rainbow dash. sim. se em dois dias eu fui tanta gente diferente, porque em um ano eu não conseguiria ser a querida que me acompanha a tanto tempo.

quem me conhece há pouco tempo ou não com a profundidade suficiente pode estranhar que uma das maiores heroínas da ficção da minha vida seja uma personagem de my little pony: friendship is magic (inclusive, meu aniversário esse ano foi tema mlp). e eu entendo o estranhamento, bastante. mas o que posso fazer se tenho um ótimo gosto e só gosto das melhores produções já feitas pela humanidade e mlp é claramente uma destas. eu sou tipo, muito apaixonado nesse desenho, ele não tem metáforas poderosas, não tem nenhuma super profundidade escondida, ele não tem nada dessas paradas que atualmente se exige de tudo. mas ele fala o óbvio muito bem falado, só digimon se compara em como my little pony acerta com perfeição em falar o óbvio do jeito que ele tem que ser proclamado e revivido.

retorno ao outro mundo pra dizer como a obviedade de my little pony precisa ser dita com mais frequência. a representação comercial me mostrou de maneira bastante crua como as relações sociais se tornam dia após dia relações comerciais. relações de troca que conversam em seus próprios nichos, oferecem algo em troca de algo e raramente se abrem ao diferente. não é culpa nossa, não é culpa das pessoas; é culpa de todo o contexto que deixou de abranger o que há de humano e específico de cada pessoa e passou a impor o jeito certo de viver, o jeito certo de participar, o jeito certo de morrer. por isso, my little pony é a minha grande inspiração pra lutar contra isso, não apenas por ser um desenho que fala sobre a magia da amizade, apesar disso ser o grande manequim que me atrai. acima disso, uma pony cowgirl, uma mãe de pet, uma nerd, uma estilista, uma rolezeira e uma maníaca dos esportes. seis mundos que até podem se chocar as vezes, mas um grupo de amigos tão unidos quanto com seis pessoas tão distintas é algo cada vez mais raro e aumenta a sua raridade conforme os anos passam; tanto os anos em uma macroanálise (a progressão natural (2011 vem depois de 2012 etc)), quanto no micro (a idade).

quando, pela primeira vez, eu tornei pública a meta de fazer um cosplay de rainbow dash (ela meio que já existia há alguns anos), eu tinha um grupo de whatsapp com amigos do teatro entitulado my little pony e, claramente, eu era a rainbow dash. faço essa barriga no meu texto, porque é importante falar que eu decidi voltar essas metas depois de ver nas minhas pastas a minha “apresentação de slide modelo analógico” (sim, é um costume que eu tenho, se você nunca assistiu ainda e pretende continuar na minha vida, você provavelmente verá uma) das metas específicas para o nosso grupo do teatro no ano seguinte e senti saudades de quando eu ainda tinha a capacidade de acreditar que é possível mudar as coisas no ano que vem.

capacidade perdida na pandemia. além disso, nas minhas aulas de editoração eu me senti a pior pessoa do mundo, tudo que eu falei nas primeiras semanas foi como 2019 era bonito, em 2019 existia coisas em alfenas, em 2019 o mundo pulsava, em 2019 2019, em 2019. porra, vai tomar no cu, 2019 o caralho. belo ano, sem dúvidas, não existe mais, o que existe é o que pode ser hoje, o que pode ser amanhã e depois. e a meta principal é basicamente me preocupar com a semana que vem, sem esquecer que essa semana ainda tem 7 dias e hoje são 6 horas de segunda-feira. a semana que vem é o que importa? sim, mas não quero chegar lá sem viver essa semana. meu grande erro ao tentar economizar 80000 gold in another world for my retirement foi abdicar deste belo nascer do sol na segunda porque ele ia nascer mais bonito na segunda que vem (ou na terça). erro que não quero cometer mais, quero fazer metas pra serem realizadas hoje, amanhã, depois e se a semana que vem tão sonhada nunca chegar, tudo bem, pelo menos não joguei esta no lixo pensando naquela.

volto com a meta original: cosplay de rainbow dash. e muito mais, quero ser todas as pessoas e personagens que eu puder ser em 2026, quero curtir todos os estilos que eu encontrar, porque já que não tenho um, posso ter todos. se não sei meu nome, podem me chamar do que quiser; o preço que eu cobro é poder ser tudo que me chamam.

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