aftermath

Jaime caminhava pelo corredor escuro pela primeira vez. Primeira vez que percorria por vontade própria, apesar de todas as vezes que se obrigou àquilo, agora caminhavam juntas dele, por mais que quisesse cumprir sua promessa de enxergar esta como a primeira e única vez, era impossível, a consciência não o permitia apagar toda crueldade que cometera nos longos anos que fez aquele trajeto sem falhar diariamente, mais que isso por vezes. Talvez sua culpa jamais o permitiria livrar-se dela, por mais que tudo fosse desde o princípio combinado. Por acaso, ele teria se deleitado de seus atos sem perceber? Ou percebeu e daí vem a culpa? Por que justo ele havia sido designado para aquela função? E por que ele a desempenhara tão bem? Será esse o motivo? A diretora o havia escolhido porque sabia que ele não vacilaria com seus camaradas agora, na hora mais importante? Ou a escolha foi feita porque ela sabia que só ele poderia cometer tamanhas atrocidades?

O corredor nunca esteve tão apertado quanto agora, Jaime sentia-se apertado pelas paredes que pesavam a sua respiração. As paredes nunca pareceram tão distantes de Jaime, que tentava se apressar para fugir da agoniante solidão daquelas paredes tão distantes. Nem as paredes aceitariam ficar próximas de seus pecados, nem as paredes seriam misericordiosas com ele, por isso tratavam de fechar-se para apertá-lo contra seus próprios anseios e julgamentos e afastavam-se para não permitir que ele se esquecesse por um segundo sequer do quão asqueroso era.

Apertava os passos que pareciam durar horas e talvez durassem porque Jaime não saberia chegar em seu destino, como reencontrar o grande amor da sua vida — apenas 8 horas depois da última vez que a vira — e dizer que era a hora, que a partir de agora todo o sofrimento acabaria, acabaria? E Jaime? Que se lembraria pela eternidade do sofrimento da amada com muita intimidade, afinal ele o causara e vira outros causando e deu dicas de como tornar mais sofrido, ele foi o traidor do movimento. Ele foi o estopim de todos os anos torturantes que se seguiram na vida de sua amada depois que entregou aos alienígenas os planos detalhados do movimento. Agora ele vai apenas virar a chave em um cadeado, destrancá-lo e avisar que tudo estava finalmente acabado. Como poderia? Um monstro querer simplificar as coisas dessa maneira? Como poderia alguém um dia o ver novamente como um humano, se se tornou mais alienígena que os mais cruéis alienígenas? Seria esse corredor o fim da vida de Jaime? O homem que traiu a causa pela causa, que virou um alien pela causa, que matou pela causa, que torturou e abusou pela causa? Pela causa? Jaime poderia dizer que tudo que fez foi pela causa? Sua consciência o permitiria afirmar isso? Encostou-se na grade, olhou para Manu, que o olhou de volta, estudou os arredores e a aflição do camarada e sorriu no pouco que lhes restava dos dentes e na pouca carne que preenchia sua esquelética face.

— venceremos! — e permitiu-se a morte, deixando seu presente de despedida a Jaime, um sorriso final que o ajudaria a lidar com o peso das consequências de seus atos e não se permitir quebrar antes que o resultado final fosse alcançado.

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