carta de admissão

Estou escrevendo, pois falar sem deixar importantes pontos de fora da conversa é complicado; inclusive escrever é complicado com clientes perguntando o preço das coisas em áudio, enquanto tento me expressar. E por falar nisso, vou começar por essa parte, que gostaria de deixar pro final, mas o timing pede que ela seja trazida ao começo, já que estou conversando com um cliente muito afim de comprar, compras que já sei que serão negadas porque ele está bloqueado pelo crédito e eu não tenho como falar para um cliente regular e de volume considerável que minha empresa não está mais afim de vender pra ele do que de fazer de conta que está controlando o crédito por medo de inadimplência e o estopim da minha decisão foi exatamente o mesmo, quando tive que me colocar na posição de me ver sendo responsável por falar pra alguém: “a empresa que eu trabalho te acha pequeno demais pra confiar em você”. Não quero essa responsabilidade, mas como eu disse, isso foi um estopim não o motivo. E essa carta é pra discorrer sobre o motivo de eu não querer mais isso pra mim.

(ah sim, um importante adendo ao parágrafo anterior é: áudio. Não aguento mais receber, por isso uma das minhas exigências é que a partir das quartas às 15hrs não os ouço mais, a menos que seja algo muito importante)

Como comecei do final, já explicitei minha vontade de parar e sim, nesse pouco tempo como representante descobri que não é pra mim, não é algo que eu ”tenha as manha” ou venha um dia a ter e não quero seguir com isso, porém quero ajudar e essa é a importante frase do momento; quero ajudar, não ser ajudado. Em julho de 2023 assumi o carvão na intenção de facilitar as coisas pra você e quando, em 2024, aceitei o trampo de representante, minha mentalidade prioritária era continuar facilitando, mas de dezembro até hoje precisei da sua ajuda no carvão em 9 a cada 10 semanas. A maioria das vezes por problemas de saúde e problemas estes que imagino entender como evento potencializador a representação comercial, pois assim que decidi sair dessa, meus problemas acabaram, mesmo que eu não tenha saído oficialmente. O ponto é que quero seguir sendo um facilitador, quero te ajudar e não ser ajudado, por isso quero parar de ser representante comercial e virar seu ajudante; quero fazer todas as cotações, ajudar em outras coisas e vender na listinha dos 23 clientes que anotei e os escolhi por eles serem clientes que acredito que exercerão perto do seu potencial máximo de compras sem a necessidade de um representante comercial, todos os outros comprariam mais e melhor se você os visitasse. E obviamente não vou querer o salário das comissões e promoções, mas uma ajuda de custos somente. Com isso a praça será melhor aproveitada e eu vou poder focar 100% no carvão pra não deixar sobrar pra você e focar nas coisas mais importantes pra mim, as quais enumerarei a seguir:

  • 1) 75 hard – Poucos dias depois que decidi parar, encontrei esse desafio na internet de criar uma rotina repetindo coisas por 75 dias e ali listei algumas prioridades: saúde física e mental. Preciso melhorar meus hábitos e pra isso preciso dar foco para os exercícios e uma dieta pra cuidar do corpo e preciso cuidar da mente voltando pros trilhos da escrita. Por isso também escolhi os 23 clientes que quero continuar fazendo, 90% deles posso fazer a pé, encaixando assim o trabalho na minha saúde física. E otimizando meu tempo, já que percebo que minha demora pra sair de casa todos os dias é muito relativa à ansiedade de ter que dirigir, o que não adianta, eu não gosto e não quero dirigir a menos que seja obrigado e ser obrigado a fazer alguma coisa não essencial é horrível e dificulta toda minha organização em fazer as outras coisas essenciais.
  • 2) Epidemia de cinismo – Tava vendo umas coisas semana passada e passou pra mim um vídeo falando sobre uma epidemia de cinismo que estamos vivendo e me identifiquei com tudo; porque trato todas as coisas que tenham a ver com sonhos ou esperança com extremo cinismo e, como bom crítico que sou, sou alvo da maioria dos meus cinismos. Vou exemplificar: “ah, não adianta nada escrever um livro porque nunca vai ser nada demais mesmo”, “ah, vou me formar só pra ter diploma porque ninguém sabe o que um bacharel em letras faz”, “qual a moral de tentar fazer um filme se ninguém vai nem assistir”, etc. E depois de assistir esse vídeo eu percebi que aceitei esse trabalho por isso, porque pensei que eu não seria capaz de realizar nada mesmo nos próximos 10 anos, então não fazia mal abdicar deles ganhando dinheiro pra depois poder viver, só que quem disse que existe um depois?
  • 3) Perdas – Minha meta ao entrar na empresa era simples: conquistar dinheiro por 10 anos pra poder viver de renda passiva e finalmente curtir a vida. Nunca quis ficar ou fazer carreira, nunca fui representante, sempre estive e foi, estando representante, numa viagem de busão de madrugada pra tentar vender em outra cidade que recebi a notícia que minha ex-colega de turma, 21 anos, tinha sido engolida por uma represa enquanto pescava. Um dia depois da gente ter combinado de tomar um sorvete, saca? Não tem como ficar planejando um bagulho perfeito quando qualquer coisa pode acontecer do nada e já era, quero fazer meus trem hoje, escrever minhas esquisitices, fazer tatuagem e piercing sem me preocupar com o que cliente vai achar, me formar, viver, tá ligado? E não dá pra fazer isso com o sentimento eterno de culpa por não ter conseguido superar a ansiedade de dirigir numa segunda-feira de manhã e isso ter estragado completamente o resto da minha semana.
  • 4) Na pior das hipóteses – Outro vídeo que apareceu pra mim esses dias foi de um ator conversando em um podcast sobre quando ele decidiu qual profissão queria seguir e perguntaram pra ele se ele seria feliz vestindo fantasia de pateta em aniversário de criança pra pagar as contas, o que seria a pior das hipóteses do emprego que ele tinha escolhido e ele disse que sim. Eu me vejo feliz em muitas piores hipóteses, inclusive agradeço muito o tempo como representante porque ele me fez descobrir o meu “se tudo der errado”, porque se tudo der errado eu vou querer terminar minha vida do lado de lá, como comerciante. Vender pra comércio me fez ver que o lado de lá é uma alternativa pra mim e eu seria feliz mesmo na pior das hipóteses como uma última opção, mas como representante não me vejo bem nem na melhor delas.
  • 5) China – Estamos há mais 40 dias com vitórias consecutivas da China no cenário internacional, uma verdadeira surra no laranjão em todos os âmbitos possíveis e, apesar desse disclaimer, não quero usar esse ponto para reforçar que quero ir pra lá um dia e que penso nisso quase diariamente (apesar de querer mesmo ir pra lá e pensar nisso diariamente de verdade). Trago a China pra conversa, porque o principal motivo dela vencer desenfreadamente hoje em dia é porque lá atrás ela ousou sonhar, planejar e agir de acordo com seus planos e, mesmo com as alternâncias de líderes e mentalidades, um ponto nunca foi esquecido: a China é maior que qualquer chinês. E com isso em mente, várias coisas puderam ser feitas em prol do país através de um planejamento a curto, médio e longo prazo e por isso quero fazer esses planejamentos pra mim, não pra alcançar a grandeza da China, pra encontrar minha própria grandeza. No curto prazo quero usar o carvão como economias e compras necessárias e ofereço minha ajuda, como disse acima, em cotações, em 1 dia e meio de trabalho e passar pedidos caso necessário até 2027 em troca dos meus custos mensais. Em 2027 pretendo focar apenas no carvão e na conclusão da minha formação, que já estará atrasada — e minha sugestão é que de hoje até 2027 nós já comecemos a preparar a caçula para a representação comercial — porque, ao contrário de mim, ela leva jeito pra coisa. No médio prazo, 2029, de diploma na mão e com algumas reservas quero criar vivências latinoamericanas, quero conhecer melhor o Brasil e nossos vizinhos, quero escrever sobre tudo e conhecer o que der e, se possível, trabalhar como letrólogo no caminho ou fazer a minha arte. E no longo prazo, sim, quero conhecer e viver um tempo do outro lado do mundo, quero voar e quero falar isso sem vergonha. Quando? Não sei, mas antes de 2036 se deus quiser.
  • 6) Ajudar, não ser ajudado. – Já falei disso lá em cima sem me aprofundar, mas o ponto é que o sentimento de estar falhando o tempo todo por precisar de ajuda quase toda semana é uma das cargas que mais vem esgotando minha energia e minha vitalidade ultimamente. Não gosto desse me sentir incompleto por não ter conseguido nem vender, nem lidar com o carvão, nem terminar as leituras da faculdade, nem terminar os trabalhos, nem ter escrito nada, nem ter ido no Taekwondo, nem ter caminhado, nem ter ido ao teatro, nem ter jogado uma bola, nem ter comido direito, nem ter nada com nada o tempo todo. Eu, que recebo tanta ajuda, tanto auxílio, tanta base não consigo fazer nada direito, saca? É um sentimento bem ruim, ajudando eu sou muito bom, quebro os galhos todos, dou meus pulo, auxilio no que der. Sendo ajudado só tenho culpa e não consigo fazer nada mais por causa disso e aí sinto mais culpa ainda e não consigo fazer nada e fico doente e vira uma bola de neve. Acho que esse é o principal motivo, na verdade, não aguento mais ver meus dias sendo engolidos por esse sentimento e sinto que só vou conseguir aliviar isso quando conseguir dar meu 100% no carvão, meu 100% no meu desafio e meu 100% nas leituras e escritas que preciso ter pra me formar legal, com bastante base e poder ajudar mais pessoas com todo esse conhecimento perdido em acúmulos que não dão frutos.

E esses são os motivos, certeza que esqueci de alguma coisa, porque sempre esqueço, mas com certeza esqueci menos do que se estivesse falando ao invés de escrever. Espero que você consiga entender e não quero te dar um peso a mais com esses clientes, a maioria já é você que está fazendo mesmo, quero que o fruto do trabalho seja majoritariamente seu e que eu assuma a posição de auxiliar. Quando tiver visita de gerente ou afins eu passeio com eles pra fazer uma média, mas enquanto não vierem quero focar em encontrar meus caminhos e parar de ignorar as chamas que me permitem ser ridículo sem cinismos ou culpas. E por isso deixo essa carta de demissão que é na verdade uma carta de admissão, feita para admitir a mim mesmo que eu não me sinto culpado ou ridículo por almejar a grandeza.

Att. Eu.

One thought on “carta de admissão

  1. Entendo perfeitamente seu sentimento do ponto 6, aquilo de querer fazer tudo sozinho e se receber ajuda, sentir culpa por isso. E aí a culpa vai invadindo a mente e vai deixando a gnt depressivo, e faz com q a gnt precise de mais ajuda, e com mais ajuda vem mais culpa, então, como vc falou, vira uma bola de neve 🫠

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