Domingo, 22:09; à esquerda, parede e almofadas; à direita, uma TV, três baús, um quarto; ao centro outro baú, uma poltrona, sofás, meu quarto. Agora mudei meu ângulo e tudo está em novas posições, ao centro, agora há um espelho que antes nem aparecia na equação por descuido meu. Domingos são preguiçosos e bons, já foram piores, hoje são só preguiça e um cado de tédio vez ou outra, nada alarmante, são igualmente raros os bons e os maus domingos, domingos têm carinha de casa. Queria escrever hoje sobre o teatro que me faz sentir acolhido como um lar, ou sobre relacionamentos que simples abraços viram lar, ou sobre outros lares incríveis da literatura e do imaginário popular. Vou falar de domingos.
Porque hoje acredito que seja a melhor definição para lar, muitas vezes os domingos são incômodos, o descanso que eles prometem parece nunca vir integralmente, a calmaria é sempre microdosada e o tédio dos tempos modernos que exigem hiperprodutividade e hiperatenção e hipermultitask e hipertensão e hiperhiper e a. É difícil um domingo ser bom. Mas eles já foram bem piores.
Vejo uma mística muito forte sobre a necessidade de abandonar o lar familiar para se alcançar liberdade, a tão sonhada liberdade. Entendo a ideia e realmente existem liberdades impossíveis de se conseguir com tutores, dentre elas, é claro, a liberdade de se achar livre. Uma liberdade que foi muito difícil que eu encontrasse, sem nunca abandonar o lar familiar, felizmente esse ano tem me ajudado bastante com isso, por isso meus domingos já foram muito piores.
Eu entendo essa mística importada, discordo, mas entendo. Óbvio que sei que há lares familiares que precisam ser abandonados por questões muito mais complicadas, que nunca me acarretaram, mas aí seria uma questão de sobrevivência, não liberdade. A menos que a pessoa disponha de muitos recursos financeiros, dificilmente, se é mais livre vivendo por conta, que partilhando contas e partilhando vidas (quanto maior o número de vidas mais chance de alcançar um maior número de liberdades). Porque ser livre não é sobre chegar a hora que quer, levar quem quiser pra casa, etc… Essas são as liberdades em casa apenas, ser livre é poder comer, poder ter a segurança que o futuro vai ser tranquilo, é deitar num domingo preguiçoso a noite pra escrever bobagem, ser livre é sobre ter uma casa e sobre não precisar que ela faça seus dias bons ou ruins, muito menos os domingos. Apenas que eles estejam ali, porque nem todo dia precisa ser incrível e nenhum se torna ruim por falhar nas nossas expectativas.
Mas sei lá. Tô só falando besteira novamente, quem sou eu pra saber o que é liberdade? Acredito que ela seja mais parecida com domingos mornos do que com essas sextas que pregam, que ela seja coletiva e não individual, que seja mais sobre abdicar e esquecer calmamente que sobre reivindicar e se lembrar em tormentos, que ela seja mais sopro e menos tempestade, mais terna e menos erógena, mais fogueira e menos incêndio. E por acreditar agradeço por estar em casa hoje, num domingo livre, por estar em domingo hoje numa livre casa, por estar em liberdade hoje em uma casa domingo.