impatient

2k17 a 2k10

No texto de hoje vamos dar todo esse salto temporal, porque esse intervalo de sete anos descreve bem o quão impaciente eu fui, sendo o mais paciente dos seres e tudo isso sem nem me dar conta de qualquer uma dessas situações. Como assim? Vamos aos pouquinhos.

No último post falei com 18 foi um belo ano, apesar de todos seus problemas, não acho que foi a impressão que eu tive no próprio 18. E esse é o ponto da impaciência, se a gente não espera o bastante pra definir o que foi bom ou ruim, sempre caímos no perigo de classificar errado. E não estou falando apenas de anos, pode ser um relacionamento, um sabor de sorvete, um cheiro de perfume, um livro lido, um qualquer coisa. Não sei se sofro tanto desse ponto da impaciência, mas sofro bastante do outro ponto, o ponto que chamarei de “chegar atrasado no rolê”.

Quase todo introvertido que bebe (ou usa alguns outros produtinhos) já deve ter passado por algo parecido: você chega no rolê muito tarde e todo mundo já está pra lá de Bagdá e você, puro, não consegue entrosar, não consegue desenvolver nenhum papo e percebe que precisa alcançar as outras pessoas com emergência e bebe em quantidades e velocidades que jamais alcançara até então, o que é sabido não ser recomendável e, na maioria das vezes, o resultado sempre será um PT que te impedirá de aproveitar qualquer coisa do rolê. Nem sempre é assim, mas muitas vezes é e é horrível.

Felizmente não foi o que me aconteceu (na vida, porque na bebedeira já ocorreu várias vezes), porque graças a deus aproveitei muito as minhas chegadas atrasadas, perdi muita coisa no caminho? Possivelmente, mas aproveitei. E é dessa impaciência que falaremos hoje e a escolha desse período de tempo é ideal, porque foi onde dois grandes atrasos contrastantes aconteceram e fui impaciente para supri-los e graças a deus, porque nem sempre a paciência é a melhor das virtudes.

Mudando o panorama dos textos anteriores, vamos voltar pra contagem cronológica e não invertida. 2k11 eu entrei na universidade, cursava matemática, o motivo? Nos próximos episódios. Fato é que antes de começar o curso, começa o ano e nesse começo de ano eu tinha acabado de terminar um namoro que pouco me lembro e minha família, a pedido da minha irmã, tinha se associado a um clube da cidade (dos high society). E sem muita coisa pra fazer comecei a frequentar o local com ela e com meu primo, ambos terminando o ensino fundamental e fiquei mais próximo das galeras deles, porque era o que tinha. Felizmente encontraria minha própria galera em breve, da minha idade, certo? Sim e não. Não porque era uma galera bem mais nova que minha irmã e meu primo, mas era uma galera que tinha interesses alinhados com os que eu descobri serem os meus: brincar. Não tive uma infância muito infância por ser uma criança esquisita e não tive uma pré-adolescência muito infância por estar sempre seguindo o flow e o flow da época era trabalhar no bar pro meu avô descansar e dos 11 aos quase 20 foi o flow que cantou. Não deixei de ser uma criança esquisita por isso e, tendo menos tempo pra interagir que uma criança normal, era ainda mais difícil pra uma criança esquisita formar vínculos e brincar. Então minha relação com brincar era muito nula, lembro de cenas inteiras de Jackie Chan quando penso tão longe no passado, e não lembro de um pique-pega. Na verdade, lembro de um polícia e ladrão, que foi o último, porque fui proibido depois daquele após uma vizinha caguetar nóis. Não reclamo, aquilo me ajudou de outras maneiras, mas, de novo, próximos capítulos. Fato é que descobri primeiro no futebol, depois no pique-esconde e depois no “veneno” (que virou infectado, eu batizei infected e os nossos ancestrais já chamavam de pique-ajuda) prazeres insuperáveis. Alguns disseram que eu estava na pior fase da minha vida por ficar o dia todo brincando com crianças, esses mesmos alguns dois meses depois estavam tentando beijar essas crianças e se achando demais. Outros seguiram a call, vieram junto e me orgulho de dizer que já juntei mais de 40 pessoas (dos 9 aos 20, sem me contar) correndo feito bocós pelo clube, brincando, se divertindo e criando lembranças incríveis e sem qualquer maldade, exceto a maldade necessária pra se esconder em cima do telhado tendo 20kg molhado pra uma pessoa de 80kg não conseguir te contaminar no infected. Uma maldade que me tirava do sério? Talvez, mas tudo bem, porque eu era o único que conseguia saltar de cima da arquibancada, então também tinha minhas próprias maldades.

Pouco tempo depois descobri que matemática não era pra mim, quitei da faculdade, entrei em fisioterapia mais tarde e quitei também (já chego lá, nesse capítulo mesmo). O ponto é que eu não só brincava como um catarrento, me tornei um, de corpo e alma. E aquilo virou minha vida, porque cheguei atrasado naquele rolê e bebi daquelas fontes mais que qualquer outro que nela já estava, foi bastante divertido, mas sempre tem um mas e eu estava tão consumido por aquilo que queria viver pra sempre daquele jeito, o que é impossível e perder meu tempo de possibilidades para brincar estudando a fisioterapia me deixou impaciente com quando eu poderia ter aquilo de novo. A universidade entrou em greve, o que ajudou bastante, mas as greves acabaram e o que me sobrou foram os feriados e olha que legal, um prolongadíssimo cairia bem no meu aniversário e ali eu tiraria o tempo perdido, precisaria viver um ano em uma semana, tava tudo perfeito até que não estava mais e 2k14 (sim, duraram 4 anos minha infância atrasada) tudo deu errado. Meu aniversário que criei tantas expectativas não condizentes com as expectativas da minha família que queria ir pra praia e foi, não sem mim, que perdi a minha semana que deveria render um ano e de quebra peguei dengue. Muito divertido e pontual pra acabar a infância e começar a rebeldia pré-adolescente.

A rebeldia estava bastante atrasada e foi paia, porque eu tinha uma promessa esquisita com um cara que nem sabia quem eu era de ser straight edge e eu nem sabia o que era sxe, só sabia que não podia beber e usar drogas. Então foi uma fase rebelde sem álcool e sem drogas, ou seja, só auto-depreciação, auto-mutilação e muito ódio acumulado (graças a deus nunca fui redpill e esse ódio acumulado era destinado principalmente a mim mesmo). E esse acúmulo encontrou um descarrego perigoso numa síndrome de protagonista que quer salvar a vida das pessoas e se torna muito perigoso quando encontramos uma vida que precisava muito ser salva e não vou entrar nos detalhes dessa parte aqui, mas saibam que eu já quase tomei processo por sequestro e quase matei meu pai no mesmo fim de semana, alegria alegria. (Hoje tá todo mundo bem, tá tudo certo e guardo uma cruz no meu telhado pra lembrar que, se um outro dia eu quebrar minha janela dando uma “cruzada” nela é porque eu preciso de internação e correrei atrás disso imediatamente.)

Como vou pular essa parte da história para preservar as partes envolvidas, limitar-me-ei a dizer que se vocês quiserem salvar vidas, vocês podem virar palhaço de hospital, podem se organizar em movimentos de esquerda radical, podem doar pra ongs comprovadas, podem fazer um projeto cultural e tentar a sorte nas leis de incentivo do governo, podem ensinar alguma coisa pra comunidade, podem fazer várias coisas. Não precisam tentar ajudar alguém a fugir de possíveis perseguidores levando ela pra outro estado, ok? Principalmente se a pessoa tiver pai policial, não façam isso.

Tá, nesse meio-tempo, eu já tinha começado letras e com a cabeça fodida o dia inteiro de pensar na minha insuficiência perante as crueldades do mundo e muitas outras loucuras, sem qualquer perspectiva de futuro e atravessando os dias na esperança que eles acabassem o mais rápido possível. Nessa situação merda de preocupação misturada com impotência, conheci o teatro “e então o nosso mundo girou, você ficou e a noite veio nos trazer a escuridão e aí então eu abri meu coração porque nada é em vão”. Sei que músicas eram o tema de ontem e perdão por comer todas as vírgulas de “Sinceramente” do Cachorro Grande, mas essa música define muito meu encontro com o teatro e como aquilo me curou, não por ser um escape, mas por ser uma realidade mais crua, mais desnuda, mais noturna. Longe dessa neura higienista solar que pregam por aí, era um jeito de ser rebelde sem todo aquele ódio, uma maneira de sentir pra fora e não só pra dentro. Era incrível.

Ali entrei em um grupo de teatro, onde claramente eu era o pior ator entre todos por muito, mas era parte da gangue e fui responsável pelo disband e não me arrependo. Assumo a culpa, não me arrependo. Depois comecei um novo grupo e tomei disband por ser muito autoritário, não foi o que me disseram, é o que eu imagino que tenha sido, porque meio que fui mesmo, assumo a culpa e aqui me arrependo, porque esse grupo era brabo e, apesar de termos entrado em sintonias dissonantes, seria possível realinhar se eu não estivesse com a visão turva por uma nova bebedeira. Sim, todo esse movimento foi uma nova bebedeira onde cheguei atrasado. Me diverti horrores como na primeira, mas meu tato com pessoas era muito defasado, porque tinha acabado de passar por dois anos da mais pura rebeldia e outros quatro anos onde só interagia com crianças e nossas interações eram basicamente brincadeiras e conversas sobre jogos ou desenhos. Eu entrei numa juventude, onde minha base comunicativa girava em extremos, conversas de 12 anos ou conversas de 50 anos (a faixa etária dos clientes que eu tinha no bar), todo o meio do pagode era desconhecido pra mim e eu não tinha o tato pra lidar com isso, nem sei se tenho hoje pra falar a verdade. Mas nessa época vivi bem focado nas bebedeiras e experimentei umas coisas gostosas e outras nem tanto. Alimentei até onde foi possível meu skins stans âmago (série que assisti nessa época aí mesmo), reencontrei com muita galera da época do clube e foi massa demais. Tretas e rompimentos rolaram no caminho, mas a coroação dessa impaciência toda foi esplêndida.

Num belo sábado, 1 de Setembro de 2017, aniversário do meu Corinthians, recebi de presente ingressos para assistir a final do cblol no Mineirinho.

Já era passado do meio-dia e a final seria no domingo, refleti se iria ou não e quando decidi comecei a chamar uns chegados, dois aceitaram. Porém, tinha um aniversário marcado para aquele dia e nenhum de nós queria perder, eu ainda tinha uma despedida de alguém do teatro, se não me engano, não lembro mais. Não givamos nada. Fui na despedida, depois no aniversário e depois nós três batemos a pé para a rodoviária, passando antes em um podrão pra irmos alimentados. Se ia ter passagem, não sabíamos, mas fomos, alguns de nós até tiveram que vomitar na rodoviária pra ficar um pouco mais sãos e tinham as passagens, mas antes de descobrir essa informação brincamos com a possibilidade de não ter e nós sermos obrigados a viajar no dedão (carona) e um dos meus chegados disse, “aí nóis vai no dedão até a Paraíba e só descobre depois de chegar lá”, comento esse acontecimento, porque depois disso eu tive a neura de escrever a minha auto-biografia e o título seria “No dedão a Paraíba” por causa disso (quem sabe um dia).

Chegamos vivos em BH, pegamos um táxi pro mineirinho, assistimos a final, gritei até ficar sem voz e o time que eu estava torcendo foi campeão, sim eu torci para a Team One. Era por causa do brucer, meu segundo jogador de lol favorito no mundo (e primeiro no Brasil), infelizmente ele era do time de gente duvidosa. O fato é que ganhamos (só eu, porque meus dois chegados torciam pro outro time kk) e antes de voltar pra casa descobrimos que haveria uma “party of legends” e fomos correndo atrás de participar dessa baladinha nerdola aí e bebemos todas as doses que nos foram oferecidas e ficamos mais absurdamente loucos ainda que na noite anterior e meu jogador favorito no Brasil roubou meu chapéu de palha, Giraldo. Mas tudo bem, ele acabara de ser campeão, merecia um prêmio. Voltamos pra rodoviária, pegamos o busão e chegamos em casa depois de dois dias com 100% do nosso período de sono ter sido no busão. Incrível.

E termino o texto de hoje com essa história, porque ela foi muito importante como contraponto em diversas situações. Tipo, o ônibus bate-pronto tendo um final feliz ao contrário da situação falso herói e somado ao fato de ser uma imprudência e de ninguém ficar sabendo desse rolê aqui em casa, não causando nenhum problema de coração. Outro contraponto é a própria impaciência, porque foi um dos dias mais corridos da minha vida e isso não impediu de tudo ser feito com extrema paciência, refleti horas antes de decidir, chamei todo mundo depois de pensar bastante, não abandonei nenhum dos meus rolês e fui paciente até na iminência de não ter passagem disponível para a viagem. E foi tudo incrível, correr não significa impaciência e ficar parado não significa paciência. Acho que posso aprender muito com as reflexões de hoje, mas aí também é papo para algum outro capítulo.

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