o sol oculto

acabo de receber este questionamento e minha reação foi quotar e encarar esperando que uma resposta magicamente aparecesse na minha mente, ao invés disso, o que me apareceu foi uma interminável coletânea de fragmentos de memórias que tenho sobre escrita e sobre diversão que seriam impossíveis de se organizar em uma ou duas frases pra entender essa parte divertida, se ela existe, se ela é o todo, se ela é a ausência, a estrada, o outro lado ou aqui.

dentre todos os fragmentos que me arrebataram, o primeiro foi o mais recente: tarologia. minha mandala astrológica de primavera trouxe resultados contraditórios como eu, muitos movimentos de resistência ao me relacionar com as pessoas e na comunicação; em contrapartida, muitas cartas positivas nas outras áreas. uma em específico foi a lembrança mais poderosa que resume bem todo o rolê: o sol na casa 8. o sol na casa que pretende revelar algo oculto em mim, ao inconsciente, a casa das transmutações me abraçou com um sol, com uma energia positiva e divertida e, junto com essa benção, um alerta: é preciso se divertir, encontrar o que me diverte. e nessa contradição do poderoso astro-rei visitar o oculto que minhas perambulações pela mente devem começar.

sempre fui uma pessoa muito lunar, eu acho, não sei. sei que a querida sempre me fascinou, fascinou mais ainda que o próprio sol, talvez por eu me sentir mais identificado com a energia dela mais volátil, mais influenciável e, nem por isso, menos influenciadora. aprendi com isso a grande importância do inconsciente, do que está oculto, do que não consigo tocar facilmente e passei a ter muitos receios com o que está claro demais, com as ideias iluministas de esmiuçar tudo até achar a clareza, sendo que a clareza total é a morte da descoberta, afinal, só podemos descobrir o que está oculto. mas o que significaria um sol na casa do ocultismo? que meus mistérios seriam enfim revelados? quais mistérios? eu os encontraria? que eu conseguiria fazer uma viagem tão clara pelo inconsciente que finalmente estaria curado de minhas neuras obscurantistas? ou o sol é uma necessidade apolínia de fugir da loucura dionisíaca característica do inconsciente? e por que o tarólogo me advertiu sobre a necessidade de diversão? o sol já não é uma energia divertida? então a diversão deveria vir naturalmente, não? será que é porque ela apareceu na temida casa 8? a casa de escorpião, sol em escorpião, interesse pelo desconhecido, pelo oculto, pela morte e pelo sexo. podendo descambar em vingança, manipulação e rancor se não bem tratada. o que interpretar desse sol oculto? não sei, voltemos aqui depois se a memória não me falhar.

será que eu não estou esquecendo de me divertir? quais coisas eu posso fazer para deixar a minha vida mais animada? será? eu sinto diversão o tempo todo, raro é o dia que não me delicio com coisas aleatórias, me sinto sempre em estado de diversão, ora ando pela casa brigando comigo mesmo e dou muitas gargalhadas, ora assisto situações corriqueiras do dia-a-dia e preciso rir, dentre muitas outras diversões. será que não são suficientes? será que eu não as sinto suficientes? o que mais eu posso fazer para deixar minha vida mais animada? escrever? eu me divirto horrores escrevendo, me divirto? não sei mais, apesar de logo menos eu ter absoluta certeza disso, mas se eu me divirto escrevendo porque eu declarei minutos atrás que não tenho qualquer pretensão de escrever pra ganhar dinheiro, vou ganhar dinheiro com carvão e escrever pra sofrer. é um sofrimento escrever? acho que não, foram palavras vazias atiradas a esmo, mas por que elas foram atiradas? porque essa sentença passou pela minha mente ao pensar sobre a escrita? não me lembro de muitos momentos que sofri para escrever ou por escrever. óbvio que existe o panorama geral, se eu não escrevesse talvez não sofreria tantas crises sobre o que escrevo, então indiretamente escrever é sofrer. e isso só me faz lembrar deste mesmo mês no ano passado quando fui questionado sobre o porquê escrever e nunca na minha vida (pelo menos em minhas lembranças) uma resposta saltou de mim com tamanha velocidade e prepotência de sua própria verdade: “escrevo para viver”. meus pensamentos na época eram claros, se não escrevesse, seria uma polia dentada do destino, uma peça fenomenológica do senhor do nosso tempo (a.k.a. capitalismo). infelizmente a verdade prepotente das palavras ditas foram logo contestadas pela antítese da culpa, a culpa por querer ser mais que uma polia dentada do destino, como se fosse de bom tom o querer, como se fosse de bom tom querer superar minha condição limitada de peça substituível para o senhor do nosso tempo. como se fosse de bom tom almejar a grandeza em minha eterna pequenez. é como se a pura vontade de consumir o fruto proibido de querer me destacar fosse suficiente para arrancar-me a presunção de inocência frente ao pecado e, sem pecar ou ser inocente, num eterno estado de suspensão de angústia, não como destacou kierkegaard, mas a angústia por querer pecar e sentir-me indigno não da inocência, mas do próprio pecado em si. sinto-me encarando o fruto e o desejando ardentemente, mas o que me impede de comer não é a vontade de ser inocente, é a crença na minha impotência perante o recurso primordial, minha impotência. impotência da necessidade por uma individualidade sendo oprimida não por censuras, mas pelo coletivo milenar, por todas as opiniões dadas, por todas as descobertas feitas, por toda a criação.

newton dizia que só chegou onde chegou por estar nas costas de gigantes, posso parodiá-lo para dizer que não saio do lugar por estar em gigantes costas. tanto as costas dos gigantes de newton que se somaram em muitos mais gigantes com o próprio incluso, de tal maneira que é quase inconcebível a ideia de um chão, tão alto estamos; em tão largas e numerosas costas, em áreas que o próprio newton jamais sonharia existir. tanto as costas litorâneas onde tantas pessoas no passado “debruçaram-se” e vislumbraram o oculto, observaram o nada e, com o nada, a infinitude das possibilidades, hoje olhamos para as costas e há respostas, há fotos, há vídeos, há pessoas de lá conversando com as de cá em tempo real, há ferramentas para descobrirmos verdades e acreditarmos em mentiras sobre tudo em qualquer lugar do mundo. com o oculto todo ensolarado, o que sobra? como se divertir se a casa que deveria estar escura está ensolarada? ou tudo isso é uma mensagem para ensolararmos a casa para depois ela encontrar novas obscuridades? devo escrever para esclarecer e abandonar o oculto? ou iluminar para, só assim, encontrar o que há de oculto em tamanha iluminação? como encontrar as ferramentas que me permitam comer o fruto proibido e sentir essa culpa, ao invés de desejar ardentemente e nunca conseguir alcançá-lo por sentir-me indigno da culpa, do fruto e da inocência? meu desejo não é ardente o bastante? ou ele é indigno frente a outros desejos tão mais ardentes que o meu? ou ele é ardente demais e o incêndio causado pode engolir tudo e todos? deixemos estes questionamentos suspensos, por enquanto.

antes de encaminhar para o final gostaria de trazer de volta uma lembrança que me remete tanto a diversão, quanto a escrita. tempos mágicos onde escrevia até determinado horário e depois me ocupava apenas de jogar futebol, brincar de infected, pique-esconde e cidade dorme. tudo era divertido e era clara a diversão, apesar das histórias ruins e de eu viver uma época que um ex-amigo próximo classificou como a mais sombria da minha vida, o fundo do poço, rs. ali a diversão era inegável, não tinha todas as complexidades de hoje, todos os questionamentos sobre como ser uma diversão de verdade se faz sofrer, ou se é uma diversão solitária, ou uma diversão passiva, observadora. óbvio que haviam muitas questões, complexos e discussões na época; a diversão era incontestável. logo depois tive muitas incontáveis e até mais destacáveis diversões, nenhuma incontestável. e digo isso não pra me agarrar em tempos passados e ficar nostálgico e apegado, mas pra dizer que minhas diversões do presente são contestáveis, ainda assim não são menos divertidas que as diversões de outrora. claro que dá pra buscar novas diversões e eu juro que tento, sei que não tento o bastante, mas juro que tento diversões grupais e elas são incríveis quando dá liga, mas dar liga é uma possibilidade, enquanto as minhas diversões solitárias de discutir comigo mesmo ou minhas diversões passivas de observar situações e me divertir com as possibilidades são muito mais fáceis de dar liga, porque dependem só do meu próprio humor e não há nenhuma possibilidade de tal pessoa não gostar de tal pessoa, de um climão se formar, de uma pessoa inconveniente aparecer pra estragar o rolê; porque é muito mais fácil brigar comigo mesmo e me fazer parar de ser inconveniente do que fazer isso com um random chato que por acaso brotou. eu não acredito que eu não me divirta, agora inclusive estou me divertindo. me divertindo escrevendo. mesmo que seja apenas um amontoado de frases aleatórias jogadas numa tela, é divertido refletir escrevendo, porque as reflexões mentais são muito voláteis e sumíveis. agora, por exemplo.

quando comecei a escrever este texto muitas coisas apareceram na minha cabeça que pareciam essenciais de serem ditas, no processo ou antes de começar a escrita, agora não lembro de mais nenhuma, porque elas deram lugares a novas palavras e novas perspectivas e antes que eu tivesse tempo de pensar mais sobre “cadê a parte divertida de escrever?” fui pego divertindo-me ao escrever e todas as premissas abertas agora parecem passíveis de não serem concluídas, acredito que sim, ainda preciso refletir muito sobre como romper a barreira mental que me proíbe de ser pequeno e de comer a fruta da grandeza, afinal escrevo para viver (além do padrão), mas nunca escrevo o suficiente para romper completamente esta barreira que me mantém equidistante a lilith e deus, um zumbi. mas este cenário que causa sofrimento, não impede a diversão; afinal ambos conceitos não se contradizem e uma diversão sem sofrimento não é mais pura que a diversão sofrida, nem o contrário.

e o sol na oitava casa? meio que pode ser qualquer coisa, né? então vamos interpretar que possamos trazer para fora algumas diversões internas sem me preocupar tanto com o externo; tipo, já mudei minha foto no whatsapp uns dias atrás pra Lucky cyan, sem me preocupar mais com o que meus clientes vão pensar de um perfil tão anti-profissional e foi divertido pensar nisso, mais divertido ver um cliente me adicionar vendo aquela foto e mais divertido ver uma pessoa que demonstrou interesse em mim tendo que me mandar um oi vendo aquilo e eu mandando uma figurinha da Luo li. diversões idiotas, né? qual diversão não é. daqui pra frente posso pensar também em outras diversões, inclusive na escrita. porém sei que vai ser complicado escrever personagens interagindo entre si, sem sentir medo da culpa de criar bonecos de palavras e os “almar” com sonhos, movimentos e vivências e brincar de deus com minha própria criação, sei que vai ser complicada a briga entre o autor que não quer ser deus, não quer ser fruto, não quer ser serpente, não quer ser eva e nem adão e por nada querer, tudo quer. sei que vai ser complicado lidar com a perdição entre o ser e o não-ser quintuplo-dimensional. o que antes era uma questão, agora é quase a certeza insolúvel de um sol oculto.

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