tarde demais

Sei que é tarde demais pra dizer que gosto de você.

o engraçado é que nem era isso que eu queria dizer, estava preparade pra nunca o fazer. (apesar de o preparo não ser sinônimo a si mesmo a partir do momento que comprometer-se com sua própria preparação não exclui a necessidade de um pós-preparo para lidar com aquilo)

divagações à parte, vamos ao que eu queria dizer e talvez nunca seja dito, exceto por aqui: hoje eu completaria 28 dias sem redes sociais, o que não vai acontecer mais porque tive que passear em alguns lugares, happens. só falo disso, porque nesse quase mês longe dessa loucura tecnológica comecei a pensar com mais clareza em coisas que quero e fiz muitas descobertas em áreas diferentes, limitar-me-ei à área que considero mais importante: quero me permitir o drama. nasci e vivo pelo drama, mesmo que diariamente eu me censure minha própria essência, sinto como se o mundo não estivesse preparado pra esse bicho destruidor anti-razão que vive dentro de mim e o censuro a todo momento, falo coisas que não penso, penso coisas que me implantei para me sentir mais desprendide, implanto coisas pra desprender de mim um “eu” que nunca conheci, desprendo verdades absolutas por mentiras relativas, minto e falo a verdade ao mesmo tempo até chegar o dia que não sei qual é qual e me perco nessa eterna tragédia cômica de ser uma Emma bovary que nunca se apaixona.

admitir-me emma bovary é a coisa mais corajosa que faço (o que deixa evidente o quão covarde sou). sempre tive um sentimento pela personagem de compaixão, a mesma compaixão que sempre que me foi destinada me senti inferior. por isso sempre evito sentir isso pelas pessoas ao meu redor, porque não quero olhar pra ninguém com esse ar de superioridade moral que se compadece dos pobres mortais e isso me causa dois grandes transtornos: 1) a contradição; é bastante contraditório ser abjete a um sentimento comum e tão nobremente descrito pra não me sentir superior, porque se rejeito essa nobreza popular acabo por me colocar acima de um jeito ou de outro e isso derrete a minha racionalidade. 2) a tenuidade; a querida palavra que me destrói, porque tudo é muito tênue e é muito fácil minhas objeções à compaixão serem confundidas com um completo desinteresse no outro, o que não é verdade, mas minhas ações acabam se tornando frias e não tenho a capacidade de as acalorar.

o primeiro ponto é lidável, o segundo não.

usei a misericórdia para ilustrar, mas a tenuidade me corrompe em todo aspecto da minha vida; seja suprimindo um cavalheirismo com piadinhas pra fugir do status de “boy savior”, seja nunca fortalecendo laços por medo de estar forçando a barra; seja me posicionando contra o amor para não me parecer atirade. tudo isso é muito mais complicado de lidar do que parece e tudo piora quando eu penso nisso tudo como um drama da pior categoria e, por isso, ao invés de ter uma auto-compaixão, trato-me enquanto chacota, um melodrama que não merece a minha atenção. Por isso digo que me tratar enquanto emma bovary é um ato de coragem. fazê-lo ouvindo manu gavassi, uma coragem ainda maior. (sim eu escrevi essa frase gargalhando)

o resumo da ópera é que meu drama não é inferior só por ser digno de compaixão e ele nunca será melhor que isso se eu não me permitir receber essa compaixão até atingir o próximo degrau e o próximo. eu não preciso deixar o drama de lado, só porque meu drama não faz chorar nem rir. justamente por não fazer um ou outro, que preciso aprimorá-lo e isso só vai acontecer se eu me permitir, porque não existe drama em um dia inteiro deitado assistindo tiktok ou em anos fingindo ser o mais indiferente dos seres. indiferença não combina com drama e eu sou naturalmente (por mais que eu creia que não exista nada natural) dramátique. E comecemos com todo esse drama agora:

esse ano começou e tudo que eu pensava era: preciso voltar pra terapia pra conversar imediatamente com alguém sobre a possível traumática perda que sofri entre o natal e o ano novo! voltei pra terapia, toquei no assunto duas vezes e em momento algum senti algum trauma pela perda sofrida, só sentia medo pela perda que estava por vir. uma perda risível se comparada com convidar alguém pra sair e dois dias depois ela morrer engolida por uma correnteza. mas ela me assombrava mais que a morte e como sempre tratei como chacota e me senti uma pessoa horrível e indigna de sentir aquilo. tipo sua última “ficante” morreu mês passado e você tá sofrendo porque nunca mais vai ver alguém e esse alguém não é ela? porra, um monstro.

mas sim, meu assunto de muitas sessões, era você (e de muitas outras, kafka). não porque eu precisava desenvolver alguma parada romântica, porque você iria embora esse ano ou no próximo e eu nunca mais falaria contigo, por mais que as vezes que nos falamos não tenham sido tantas assim. sim, quando eu falei brincando que o segredo pra felicidade acadêmica era namorar e na hora que você me olhou com os olhos arregalados eu completei com “e terminar, pra ser feliz falando mal de ex” eu não queria fazer esse complemento e sim, no dia anterior eu falava de você com minha terapeuta. sim, eu amaria ter alguma coisa romântica com você. mas sim, eu me importaria muito mais em conhecer você além do que a superfície é capaz de mostrar, eu me importo muito mais em ter contato contigo quando você traçar voos mais altos, eu quero comemorar seus sucessos e ser a pessoa disponível pra ajudar quando você precisar e não a pessoa que vai colocar a responsabilidade em outra (mesmo que de brincadeira). eu queria ser a pessoa que você joga conversa fora arbitrariamente, que fala mal da academia, da instalação elétrica da casa, do mercado imobiliário. a pessoa que ouve você falando dos rpgs indie que consome, que escuta você surtar com autor x ou y, que chora junto assistindo um filme. tantas coisas que eu queria, que eu tive a oportunidade, que eu desperdicei. e agora é tarde demais. já era tarde demais antes, mas agora é mais. e amanhã mais ainda e menos de 20 meses será tão tarde que só vamos nos lembrar um do outro tão raramente quanto se lembra de uma fala de algum npc. isso dói.

não dói saber que nunca seremos um casal, não dói saber quantas coisas eu poderia ter feito diferente, não dói nenhum saber. o que dói é o sentir, sentir que fomos só um sopro incapaz de agitar as cordas vocais das linhas do tempo e obrigá-las a gritar que ficássemos juntos pra sempre, romanticamente ou não. juntos de compartilhar um meme esporádico, de conversar sobre a infinitude de um grão de areia ou a finitude do universo, de vivermos juntos uma bobajada. esse é o drama que me corrói, a tragédia do que poderia ter sido. a comédia de acreditar que em alguma linha do tempo deu certo. a tragicomédia de só termos uma vida, um instante e tudo além disso ser apenas mirabolações sem sentido. o melodrama de dizer que “eu poderia escrever mil canções só pra você, poderia te falar meus motivos pra gostar tanto de você” e sentir que sim, muitos dos meus planos impossíveis pra te ver deram certo e mesmo assim não consegui falar toda hora com você e eu não consegui escapar dessa vontade.

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