O pink money morreu!
Essa semana tive dois episódios onde tive que discutir assuntos que levaram ao bicho papão da agenda woke, um em sala de aula e outro em um grupo do whatsapp, por isso, creio que já esteja na hora de berrar um aviso: o pink money morreu!
Vou aproveitar o assunto para fazer minha própria review da segunda temporada de the last of us, porque o episódio do grupo apareceu justamente por dizerem que esta temporada da série desonrou o jogo e apontarem como principal culpado, a lacração. Voltaremos ao lacre mais tarde, agora quero focar apenas em dizer o que penso desta temporada.
O primeiro ponto que acho importante demarcar é um outro aviso, porque os danos que o Oscar vencido por Joaquim Phoenix em sua interpretação do coringa são incalculáveis (e talvez irreparáveis). Não acredito que ele não seja merecedor do prêmio, muito pelo contrário, ele entregou absurdos em uma obra que, apesar de feita para que ele brilhasse, exigia um brilhantismo muito trabalhoso e sem descanso. O ponto é que a atuação necessária para aquele personagem é um modelo muito específico da profissão, uma possibilidade dentro do exercício e uma academia de técnicas que funcionam perfeitamente bem naquele contexto audiovisual e em raríssimos outros, ou seja, é uma atuação específica que raramente funciona. Mas depois do Oscar, no imaginário popular, aquilo ficou marcado como “atuar bem” e tudo que se aproxima daquilo é uma boa atuação e o que se distancia uma má, o que é uma linha de pensamento tenebrosa, porque o teatro no século xxi que se propõe a ser cartesiano, é um crime contra si. E falo do teatro tanto por estar inserido, como por ele ser um ingrediente indispensável ao cinema ou às séries e como pessoa inserida no meio, sei que se o teatro sobrevive é por pura resistência e o cartesianismo não permite resistência, se você resiste ao “polo certo”, você está errado. Então não existe um modelo de atuação pra se comparar, nem o modelo carregado de sentimentos de Pedro Pascal é o ideal, apesar de ser o encaixe perfeito para Joel. E falo tudo isso, porque não aguento mais as críticas a Bella Ramsey. Ê ator¹ está sendo alvo de todos os tipos de críticas desde a primeira temporada e agora recebe no lombo o peso do dito fracasso da segunda temporada, alguns chamam sua atuação de inexpressiva, outros de exagerada, outros sem saber como chamar, chamam apenas lacradora. O que seria uma atuação lacradora, não sei. O ponto é que o roteiro exige mais dê ator que o próprio jogo, ou seja, o jogo de the last of us coloca menos peso nas costas do seu bonequinho animado, do que a série coloca em uma pessoa e não falo isso pra dizer que elu não aguentou a pressão, muito pelo contrário, Bella Ramsey matou no peito e deu um show de atuação em uma escola muito mais complicada do que a escola internalista vista em Joel ou na externalista de Joker. Bella Ramsey atua desmascarada e sofre do exato mesmo jeito que a gente sofre no dia-a-dia, com risadinhas, com sexo, com raiva, com birra, com piada, com música. Ninguém para de viver pra sofrer e ninguém para de sofrer pra viver, as duas coisas se entrelaçam e só acontecem, o tempo todo, sem precisar de um carão ou um beicinho pra isso. E aqui Bella Ramsey entregou pra caralho, superando qualquer expectativa, ainda mais com a enrascada que o roteiro deu pra elu.
E me alongo em falar disso, porque essa enrascada foi o que mais me incomodou nessa segunda temporada. Assisti todos os episódios com muito gosto, sempre queria o próximo, sempre gostava do que via, mas sempre ficava um sentimento de vazio que, no último episódio, era o próprio abismo. E, ao contrário do que dizia Nietzsche, não importava o quanto eu olhava pro abismo, ele não olhava de volta pra mim e não me dava as respostas que eu queria sobre o porquê eu estava sentindo aquelas coisas. Então, na minha humildade (que não é tanta, mas às vezes é necessária), corri para assistir críticos falando sobre a série pra ver se encontrava nas palavras deles alguma coisa sobre o vazio que senti (e também alguma coisa sobre lacração, pasmem, não encontrei, porque os críticos que assisto não nasceram no buero do reddit). Felizmente PH Santos sempre tem as respostas pros meus tormentos e no seu panorama geral sobre a série, ele explicou sobre a dinâmica no jogo entre Ellie e Abby e como a narrativa transita entre as personagens e como essa temporada usou muito menos isso do que o próprio jogo usa e falou algumas outras coisas que me fizeram chegar na conclusão que a produção da série decidiu deixar a segunda temporada morna, cozinhá-la em banho-maria, pra entregar um encerramento grandioso (na terceira). E esse foi o exato sentimento que explica o meu vazio, tudo foi morno e uma temporada que só será completa em anos não tem o direito de ser assim, porque uma temporada de uma série nesse estilo tem que valer por si. Uma temporada tem que ser empolgante de ser assistida, independente da anterior ou da sucessora, porque senão ela se torna apenas um episódio de transição e episódios de transição são importantes, mas não valem por si só. E esse foi o sentimento que tive com essa escolha dos roteiristas, eles criaram um episódio de mais de 6 horas separado em pedaços, que nos levará ao clímax. E, apesar de ter achado todos os episódios da temporada bons ou incríveis (sem exceção), sou obrigado a me contradizer ao classificar a segunda temporada da série completa levemente abaixo de mediana — se precisa de um 7 pra passar de ano, tome um 6,6.
E a lacração? Só existe na cabeça de quem vê. O último suspiro do que conhecemos por pink money foi Barbie, um filme com menos “lacração” do que se vendeu e que foi o último suspiro do movimento de “lacrar para lucrar”, porque sim, houve uma época em que falar de “identitarismos” foi bastante lucrativo e as empresas embarcaram nessa onda, muitas pra aproveitar a tendência de mercado e outras com malícias ocultas. O ponto é que o fato de ter havido esse tempo, não significa que existia uma agenda por trás, apenas que era uma novidade e como toda trend, bombou. durou mais que as trends de tiktok por suas mídias serem menos efêmeras que a rede social, ainda assim flopou como toda trend, como toda moda é golfinho: sobe, faz uma gracinha e volta a afundar. Não, eu não estou dizendo que diversidades são modas, mas falar sobre elas foi e já passou, hoje é um tiro no pé, amanhã talvez vire tendência de mercado de novo, nunca saberemos, mas hoje ninguém lacra pra lucrar. Não existe diversidade sendo forçada e, mesmo enquanto foi moda, não tinha, porque meia dúzia de protagonistas pretos, mulheres, lgbtqia+ apareceram? Sim, e outros 700 homens brancos héteros cisgêneros também, na mesma época. A diversidade nunca foi forçada além dos limites, ela foi muito mal representada, personagens sem qualquer carisma, adaptações horrorosas, um monte de nada com nada pra fazer de conta que estavam representando alguma coisa, quando só estavam farmando dinheiro e limpando suas próprias imagens. A trend da “lacração” foi tenebrosa e não chegou nem 1/10 perto de lacrar o que um deputado médio “liberal” no Brasil tenta por dia. Mas o principal aviso é que, esse movimento não foi impulsionado à toa, o movimento de ter muitas diversidades nas telinhas e nas telonas, com um largo investimento de empresas que, curiosamente, sempre estão tão pertinho da extrema direita. Nada disso parece ser por acaso e é muito curioso, como hoje milhões de pessoas acreditam na existência de uma “agenda woke” criada para doutrinar a população rumo ao “gayzismo”, sendo que a tal “agenda woke” foi idealizada pelas mesmas ”pessoas” que investiram milhões em criar conteúdos sobre diversidade e, agora que saiu da moda, essas ”pessoas” tiram o corpo fora e a população segue acreditando na agenda, mas não odeiam mais as empresas teoricamente ”woke”, odeiam o “woke” em si, uma ideia que nem existe enquanto agenda de doutrinação. O woke existe sim, mas ele não chega nos cinemas, ele não entra no top 100 livros de nenhum jornal, ele não tem visibilidade e não, não é porque uma protagonista feminina fala que vai ser pai quando descobre que a menina que ela gosta tá grávida, que isso é woke ou lacração. E esse caso em específico é um dos pontos mais poderosos da adaptação da segunda temporada de the last of us, porque é nesse momento que a Ellie começa a entender os sentimentos — antes incompreensíveis — de Joel por ela, porque a situação era a mesma, ela seria “pai” de uma criança que não é dela. Igual o Joel foi pai dela. A melhor parte da série vocês não souberam aproveitar, porque estão caçando o fantasma da lacração. O melhor da vida vocês vão continuar perdendo, enquanto perseguem as suas mamadeiras de piroca.
Prometi que ia falar da discussão com meu professor, mas já falei mais do que devia.
¹Bella Ramsey é não-binário e usa os pronomes they/them e como atriz é uma flexão de gênero criada para menosprezar, vou neutralizar em ator