Esses dias pra trás condenaram Léo Lins e o movimento que se seguiu foi a união de muitos humoristas para defendê-lo, muitos alegando ser errado alguém ser preso por uma piada e outros dizendo que existem crimes muito mais sérios passando impunes hoje no Brasil. Ambos caminhos errados; errados e perigosos.
O primeiro erro destes caminhos é o mais óbvio de todos: não foi uma piada, não foram dezenas ou centenas delas, foi muito mais que isso. Foi a reincidência provocativa após muitos avisos, foi a total despreocupação com a lei, foi um discurso não só de ódio — ao ódio. As piadas de Léo Lins e o fato dele continuar fazendo foi uma provocação clara contra a justiça brasileira, uma sequência de cutucadas que resultariam em apenas dois caminhos: ou a justiça reagia e seria chamada de opressora ou não reagiria e seria conivente. E a demora da ação já registra uma clara conivência com o discurso de Léo Lins, porém mostra que nem mesmo a justiça burguesa do Brasil quer estar do mesmo lado do que está por vir após toda a “liberdade de expressão” que se tem permitido no país, principalmente mascarado de humor.
E aqui vem o segundo erro dos caminhos, humor não pode ser imune à legislação. Não deveria, pelo menos. E é simplesmente absurdo que tantas pessoas concordem com essa imunidade que os humoristas pregam para si. Assisti hoje um vídeo muito bom do André Gropo, explicando muito sobre a teoria por trás das piadas e, sim, por mais subjetivo que o humor possa ser ou se apresentar, ele ainda pode ser estudado, aprendido, praticado e, sim, regularizado. Censurado, se preferirem. Não existe lógica em não censurar algo que não acena, discursa em prol da intolerância. Tolerar o intolerante é o maior caminho errado que podemos tomar nos dias atuais, onde os intolerantes fantasiam-se de “ambidestros” pra pagar de bonzinhos, enquanto tentam destruir ou dificultar a vida de milhões. Não existe discurso neutro e não existe piada sem discurso, porque uma piada é uma maneira de expressão como qualquer outra e não deve receber qualquer imunidade. Sei que aqui muitos temerão a possível entrada no terreno perigoso da censura, da possibilidade de criarmos uma unidade de censura que vai definir o que pode e o que não pode e isso ficar nas mãos abstratas de um poder governamental e outros bichos papões. E vocês podem temer isso, tudo bem, o medo é uma sensação com pouquíssimas explicações e surge sem que saibamos o entender, ninguém tá proibindo o medo. Mas se vocês querem temer alguma coisa, que tal, antes de temer o fantasma da censura inexistente, vocês temerem a carta branca aos discursos de ódio em show de humor, reunindo e organizando grupos de centenas de pessoas — o que em um fim de semana com vários humoristas se apresentando em vários lugares do Brasil, pode pular facilmente pra dezenas de milhares — normalizando e se divertindo a ridicularização de grupos de pessoas que já estão a margem da sociedade. Em um final de semana, mais de dez mil pessoas podem estar reunidas aprendendo que algumas pessoas são menos pessoas que ela, rindo disso e se sentindo no direito de replicar aquele comportamento, porque ele é imune. É impune. Não atoa vivemos a década de maior ascensão de células nazifascistas no Brasil, isso quer dizer que seu humorista favorito é? Não necessariamente (mas a probabilidade é maior do que você imagina), mas ele abre as brechas para que se fale abertamente da inferioridade de outras pessoas e ele não pode ser julgado por isso, porque o tribunal da internet, acha que humor não pode ser julgado. Sim, o verdadeiro tribunal da internet não é o que cancela pessoas, é o que repudia o fantasma do cancelamento. E agora querem ensinar ao judiciário o que pode ou não pode ser chamado de crime.
“Tem político curtindo a prisão na varanda de tornozeleira personalizada, enquanto humorista sendo preso por piada”. E cá estamos com o perigo mais patético e risível da nossa era. Pelo menos deveria ser, porque a cada dia que passa se torna mais assustador o quanto as pessoas estão enfiadas nessa base argumentativa de expiar todos os pecados de um em detrimento dos pecados não punidos de outro. Ok, hoje tem milhares de assassinos no Brasil soltos, então eu posso roubar a vontade, porque, né? Roubo é inferior ao assassinato e, se a justiça não prende os assassinos, então não tem direito de me prender. Que porra de lógica é essa e em qual Brasil paralelo vocês tão engolindo essa merda? Se a justiça é uma merda por deixar solto quem rouba o dinheiro público, então ela não tem o direito de ser eficiente em nenhuma outra esfera. E, pasme, a justiça não está sendo nem um pouco eficiente em condenar o Léo Lins, como disse no começo o processo está atrasado em anos, e só o Léo Lins é muito pouco. É necessário que o discurso de ódio volte para o buraco de onde saiu, que ele volte a ser um motivo de vergonha e medo de ser dito e não orgulho como tem sido. E a justiça está sendo extremamente ineficiente ao demorar tanto pra fechar esse cara. Mas fico feliz que ele seja o escolhido, porque, pela primeira vez, a dama cega está indo atrás de um rico fedido pra punir e não punindo um monte de pobre replicando merda pra dizer que está agindo, enquanto deixa os mandachuvas todos livres (como aconteceu no julgamento do 8 de janeiro). A existência de crimes impunes, não torna outros crimes menos crimes e isso que Léo Lins é, um criminoso, que deve ser julgado como tal. A piada não é imune à lei e nem pode ser, a arte em si precisa ter uma liberdade um pouco flexível para retratar as realidades, mas liberdade flexível é completamente diferente de liberdade irrestrita. Porque muitas artes por aí, as piadas de Léo Lins inclusas (vou chamar de arte apesar de serem todas ruins, sem originalidade e malfeitas), não usam da liberdade flexível para retratar a realidade; elas buscam — numa falsa ânsia por liberdade de expressão — usarem de sua liberdade irrestrita para definir o lugar de determinados grupos de pessoas, um lugar sem voz, sem fala, sem atuação; um lugar nos porões do mundo ou em valas fundas; um lugar onde eles nunca mais poderão se sentir ofendidos ou atacados; um lugar onde estes grupos deixarão de aparecer e incomodar a vista e o ouvido desses “humoristas”. A liberdade irrestrita nada mais é que um jeito bonito de dizer que quer o extermínio de tudo que não seja do jeito certo. O jeito certo para a masculinidade, a branquitude, a heterossexualidade, a cisgeneridade. O jeito certo onde pretos, LGBTs, mulheres e estrangeiros podem até existir, mas só se rirem junto quando forem menosprezados.