Moonrise tenta, até demais

E consegue. Consegue entregar um dos sci-fi mais verossímeis já feitos, consegue entregar uma animação muito bem feita, consegue entregar identidade visual com seus design de personagens e na construção detalhada do seu mundo futurista, consegue entregar uma obra que por si só compete entre as melhores do ano sem precisar de uma história bem contada. E é exatamente assim que ela competirá, porque todo o sucesso que a produção desse anime tiveram em ousar na sua estética não se repetiu no roteiro ousado em destacar-se da simples linearidade da narrativa, ousado ao ponto de destacar-se tanto que em apenas 18 episódios consegue disputar o título de “narutada da década” em perder-se dentro de si.

O novo anime hit da Netflix é uma grata surpresa em se distanciar da política que domina a empresa nos últimos anos de mastigar à exaustão as suas histórias ao ponto de até os seus títulos serem os mais óbvios possíveis e todo o conteúdo de suas séries e filmes originais entregarem cada detalhe do que está sendo contado. Moonrise não, ao contrário de grande parte do catálogo da netflix, Moonrise não permite o espectador assistir a obra em 1,5x ou em modo “apenas áudio”, o que é uma doce ironia, visto que é um anime futurista de um mundo praticamente governado por uma Inteligência Artificial e que renega a tendência do momento de consumir conteúdos em modo acelerado ou “multi-task”. E essa é a única grande surpresa do anime, já que não há nada de surpreendente em Wit ser responsável por uma grande animação, Himoru Arakawa entregar um belíssimo design de personagens e Ryou Kawasaki abrilhantar a sonoridade de uma obra.

Infelizmente, a grande surpresa do anime é também seu maior erro, porque na tentativa de fugir de uma narrativa óbvia e de fácil absorção o anime acaba por se perdendo em seus próprios flashbacks e saltos temporais, criando bagunça ao invés do (possivelmente almejado) caos e de uma confusão que se sustente. A sinopse do anime (e toda a sua divulgação) fala sobre o mundo futurista onde uma I.A. toma conta de todas as questões administrativas e guia a Terra para um período de paz e prosperidade, mas que em uma missão na lua o protagonista e sua turminha do barulho descobrirão que não é bem assim. Mais que suficiente pra atrair um público específico para assistir, porém a sinopse que propõe o “core” da obra é tão bem cuidada pela animação e pelo worldbuilding, quanto negligenciada pelo roteiro que se preocupa mais com o próprio worldbuild que com a trama principal em si.

Pra quem não assistiu, não vou dar spoiler, só explicar mais ou menos a história: Jack e sua turminha do barulho precisam ir à lua derrotar um terrorista que fez um grande atentado na Terra, terrorista este um rosto conhecido de Jack por ter sido o mais próximo que ele conheceu de uma figura parental na infância. Ele aceita a missão com a segunda intenção de se reencontrar com o seu irmão que está na Lua e o resto é história. O ponto é que o irmão dele na verdade é o pai e essa é uma história mal explicada. Ele e o irmão são sementes que podem derrotar a Sapientia e essa é outra história mal explicada. Existem outras sementes, mais uma história mal explicada. Nós conhecemos só 4, os dois irmãos, a 3 e a 8; entre a 3 e a 8? Não importa, explicação pra quê? A 3 é um exército robótico controlado por um robozão esqueleto lá nada explicado e que em determinado momento da história eles ficam sobre o controle da Sapientia, mal explicado. Quando isso acontece, equipe anti-terrorista e rebeldes unem forças para lidar com a situação; o que seria bem emocionante, não fosse o fato dos terráqueos anti-terroristas terem ido e voltado da Lua, passado meses lá, conhecido várias cidades e percebido que a vida ali é muito mais merda que na Terra e em nenhum momento sequer terem questionado a Sapientia, mas ali, do nada, “ei, mas pera lá”, mal explicado. A semente 8 é a chamada Zona L, uma gosmona que vai engolindo tudo no caminho e nada nela tem qualquer explicação, nem o plano que os rebeldes tinham de deixar a Lua verde, não existe nenhuma alusão a isso em momento algum e aparece só uma vez sem qualquer explicação. Os personagens agem várias vezes de maneira arbitrária aos seus próprios desenvolvimentos e isso acaba deixando a mente de todo mundo, exceto a do protagonista, mal explicadas e o desenvolvimento ou não acontece ou acontece de maneira tão forçada que, bem, mal explicado. E tem muitas outras coisas que são mal explicadas, a maior delas e última que vou falar aqui é tudo que envolve o ponto principal da história: a Sapientia. Por que todo mundo confia cegamente na IA? Por que as sementes que podem destruí-la existem? Qual a origem dessa IA? Por que ela colonizaria a Lua, se o raio de influência dela não abrange todo o território? Ela cria fraquezas pra ela própria e quando está em perigo manipula tudo pra se salvar, ela cria ilusões de um mundo perfeito e facilita a comunicação com o mundo terrível que ela criou pra sustentar essa perfeição, ela é o ponto central da trama e ao mesmo tempo é tão tangenciada na narrativa que a gente nem sabe se ela toma as próprias decisões ou alguém toma por ela, é tudo muito mal explicado e a sua última aparição piora tudo.

E tem algum problema ser tudo mal explicado? Não teria se a ideia fosse essa, se a ideia fosse criar uma confusão, alguma coisa mais absurda ou diferenciada; o que não é o caso. Moonrise desde o começo mostra ao que veio e não economiza em ser verossímil, em trazer verdade e realismo pra sua obra, um realismo fantástico? Sim, ainda assim, realismo. As cidades futuristas são desenhadas com muitos detalhes, a vida das pessoas dessa nova Terra pacificada é explorada pra desenhar essa realidade, os poderes e equipamentos recebem uma explicação dentre as melhores que a ficção científica tem, as cidades na Lua têm toda uma arquitetura própria e sistemas políticos com milícias, organizações e cédulas dos rebeldes. Tudo em moonrise é bem explicado, a construção daquele mundo é belíssima e muito bem detalhada e não do jeito esquisito da Netflix de entregar mastigado, as coisas são feitas com base na ambientação, na sonoridade e outros fatores que precisam de atenção plena pra serem percebidos. O problema é que o enredo foca mais em se relacionar com esses fatores bem criados do que em fechar as dezenas de pontas abertas a cada episódio; o excesso de flashbacks que mais confundem que esclarecem e os saltos temporais com baixa finalidade exemplificam o quão perdida a obra conseguiu ficar dentro de si.

Vale a pena assistir mesmo assim? Com certeza. É um anime que como eu disse compete entre os melhores do ano sem precisar de enredo, ou melhor, competiria se não estivéssemos em um ano tão anormal para os animes. De toda maneira, Moonrise vale muito a pena e por favor indiquem para os fanfiqueiros pra eles terminarem a história pra gente e acabarem com as pontas soltas e com as coisas mal explicadas.

Nota: 7/11

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